Thursday, April 20, 2006

jorge e o dragão anônimo

da pra ver de longe, todos eles debaixo do cinamomo. Era uma arvore estupidamente grande, e ainda assim parecia mágica que coubessem todos eles, sempre tantos e todos, debaixo de uma mesma árvore. e quase todos se mexiam o tempo inteiro de alguma maneira. dançavam ou brincavam ou subiam uns por cima dos outros ou se abraçavam ou se davam uns tapinhas, alguns fumavam se movendo de um lado pro outro, e eles falavam, o tempo inteiro, mesmo em silencio, eles falavam, nunca muito alto, nunca muito duro, nunca muito rápido, sempre cantado, forte e macio. tinha chovido todo o dia anterior, e chuviscado naquele. Apesar das folhas, eles estavam molhados. Mas debaixo da arvore era quente, então eles se sentiam como crianças molhadas de mangueira num dia de verão. eles não tinham nada além de malas suspeitas e possivelmente vazias, só servindo pra guardar vento, as roupas todas gastas e molhadas, tudo já com a mesma cor que não tem cor nenhuma. só que com um pouco de atenção, dava pra ver bolas coloridas fantasmas, que não existiam, mas dava pra ver. a terra molhada debaixo das arvores tinha virado um gentil, mole e raso tapetinho de barro, onde eles esfregavam os pés descalços e espremiam entre os dedos. eles tinham vindo das suas famílias, de suas casas, de todas as cores e idades, eles tinham vindo todos ao mesmo tempo, ver não sabiam bem o que, mas que esperavam ver com uma luz no coração. estavam ali há uma semana, debaixo do pé de cinamomo e de alguma maneira comiam, e de alguma maneira dormiam, e de alguma maneira bebiam, e dançavam e amavam, e de alguma maneira eram todos felizes por esperar. não mais pelo que viesse. estavam se encontrando naquele lugar de existir.
duas semanas, eles continuavam lá, se comunicavam e bem com quem passasse por perto, mas nunca abandonavam o debaixo da arvore.
duas semanas estavam todos lá, dava pra ver de longe cada vez maior uma certa luz que cercava tudo, vai ver alguma coisa que as células, a vida, os atomos daquela gente secretando, era como uma névoa deles.
eles não sabiam o que esperavam nem como ia chegar, eles lá estavam.
quando já tinha passado mais de mês, e tudo continuava exatamente igual, nem lixo debaixo do cinamomo eles tinham feito, nem abrigo, nada parecia diferente do que ontem nem que seria diferente amanhã,
no dia 37, um menino e um cão quaisquer que não se conheciam antes,
levantaram e sairam andando sem convite ou combinação.
estava feito, era isso que eles sabiam mais forte que o proprio sopro do coração, era isso q eles esperavam.
seguiram então, cada um a sua reta, por todos os lados.
e o cinamomo, pareceu uma estrela de carne expandindo.

1 Comments:

At 6:47 AM, Blogger douglas D. said...

há um quê de Schwob aqui...
insisto: tuas palavras roubam-me.

 

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