Tuesday, August 01, 2006

co-organ

Coço o meu joelho porque sinto dor, lá dentro, no meio das articulações e dos ossos. Não dói de verdade, como um corte ou uma pressão ou um soco ou uma explosão. Dói pior, dói lá fundo, como as doenças misteriosas e secretas, dói mais pelo medo do que pelos nervos; então eu coço. Marquei médico pra daqui há dez dias, pode ser que eu morra até lá ou que só mais esse prazo, só mais esses dez dias, me condenem. Então eu coço. É como se tivesse um bichinho maldito dentro de cada um dos meus joelhos, e as vezes ele acorda e me mastiga, tem alguma coisa tem alguma coisa e quanto mais me lembra de que tem alguma coisa mais apavorada eu fico e logo toda a minha perna parece consciente de que tem alguma coisa. Uma coisa intrínseca.
Então eu coço. Toda a vez que eu sinto dor e não sei controlar o meu pânico e a minha incapacidade de enfrentar a sensação, eu
sento e coço.
Quando eu sinto dor coço, tenho mais medo do que sou capaz de condensar na minha cara exageradamente avoada e blazé, não consigo me conter de parecer mais má do que eu realmente sou. Não que eu seja boa, nem pensar. Nem penso. Eu não queria pensar na verdade sobre todas essas coisas, mas a verdade é que eu penso todos os dias. Mas não sou boa, só que me esforço demais pra parecer má. Não lembro desde quando nem porque. Nem porque. Pode ser pq eu nasci pro nome errado. Pode ser pq eu salvei a casa de um assalto pela primeira vez aos três anos de idade. Só que eu nem lembro disso direito. Só que era uma noite bonita de verão e de repente um homem entrou pelo gramado e deixou tudo assustador. Eu saí correndo. Pra conseguir que me ouvissem eu tive que me acalmar.
Não que tenham me ouvido muito. Com o passar do tempo eu fui desistindo de me escutarem. Ou fingindo pra mim mesma. Mas não paro de me acalmar.
Como agora.
Agora eu dou risada de uma historia que não tem graça nenhuma. Meu joelho me dá vontade de chorar de apavoramento. Eu vou morrer e não posso pensar nisso. Eu vou morrer eu vou morrer eu não vou não.
Me reajeito no banco, brinco de estar pensando em pintar o cabelo.
Meu nome é Sara Lee, eu vou passar a historia inteira da minha vida pretendendo não ter medo disso, mas eu tenho. Muito. O que eu mais tenho na minha vida é medo.
É por isso que quase nada me atinge; de tanto temer, os monstros de dentro do armário e de fora dele viraram a minha família, tudo o que eu mais tenho – medo.
penso penso penso penso penso. temo temo temo. até que tudo dê um nó em si mesmo.
aí eu me acalmo.

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