Monday, March 19, 2007

diálogos porque é longe do paraíso 1

Lanchonete-boteco pequena do centro de uma capital. Parede de azulejo que era branco e agora é muito encardido nas partes em que deixa-se ver. As frituras de ontem são as mais fresquinhas, o ranço do ambiente carente se apega nas roupas de quem entra, café requentado uma vez por hora, um santo em algum canto, garçonete de meia idade e unhas roídas, ajudante de balcão magro e mudo, pessoas que entram e saem íntimas e impessoais como se aquela fosse a sua casa no fim do mundo mas estivessem cagando pro que resta de lar.
O importante é não atrasar pro próximo ponto do dia, o seguinte compromisso.
Entra uma garota miúda, compensada no cabelo comprido e camiseta grande.
-Oi.
A garçonete sem unhas levanta as sobrancelhas e suspira, como se aquela fosse a décima quarta merda ouvida naquele dia. Joga o chiclete pra bochecha esquerda, dá três mascadas tortas e violentas, a boca meio aberta, mostrando o lá dentro como uma máquina de lavar de carne.
-Lamento, mas acho que hoje não tenho oi.
-Hein?
-Você costuma vir aqui?
-Não, primeira vez.
-Bom, então vou te avisando. Nem sempre eu to afim de ser uma garçonete legal, ok? Na verdade quase nunca. Na verdade eu to sempre querendo mandar tudo a merda. Então pede logo e hoje não tem oi.
-Um suco de laranja.
-Com alcool ou sem?
-São dez horas da manhã...
-Aqui gente não se apega a essa coisa de horário.
-Mm. Hoje sem alcool então.
-Tah aqui. Laranja, sem trago “porque ainda são dez horas da manhã”. - fala pro ajudante magro e mudo - Como se dez horas da manhã fosse menos pior do que dez horas da noite...eu acho que preferia até trocar, beber de manhã e não a noite, ahahahaha,trabalhar chumbada e dormir sóbria. Mas sóbria provavelmente eu não dormiria...

A garota miúda tinha baixado a cabeça, quase se escondendo entre os braços e o copo de suco sujo e com bagaço. Ao ouvir sobre não dormir, levanta a testa, como se quisesse ouvir por um ouvido imaginário entre os olhos.
-Você também tem problemas pra dormir?
-É um e cinquenta o suco, você já me pagou? Eu gosto de dormir, mas as vezes minha cabeça não deixa. Como se servisse pra alguma coisa pensar tanto... não saio do lugar com isso mesmo.
-Mmm. Que porra né?
-Você não combina com falar porra.
-É? e isso é ruim?
-Pode ser, as vezes pode ser bem ruim.
Rita, a garçonete, dá as costas pra garota, acende um cigarro, larga o isqueiro na pia, fuma com uma mão e com a outra mexe na bunda, desentalando a calcinha do traseiro. No fundo do estabelecimento, tem um resto de gente, um monturo, uma ferida andante que fala.
-OOOOO Ritãnnnn, porque primeiro tu excomunga a garota porque ela te deu oi e depois fica falando bobagem com ela hein?
-Vai toma no teu cu que ninguem te chamou pro balcão
-Ai, quem me dera tomar no cu, mas ultimamente só tomo mesmo pinga e patada de infeliz
-Sua bicha velha chata. Quer mais café? Tah com frio?
-Tu também tah velha e ainda tem espinhas. Tu é ruim e ao mesmo tempo não consegue deixar de ser boa. Eu sou uma bicha velha, miserável, que vai morrer sozinho dessa porra de aidis, e tenho pena de ti Rita. Eu tenho pena de ti.
-Foda-se a tua pena. Acho uma merda, pena.

1 Comments:

At 2:53 PM, Blogger Unknown said...

eu quero mais...mais..muito mais!!!!!

 

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