Wednesday, March 01, 2006

abraços por dia

quando parece que vai chover, kori quer abraçar com força um menino pra quem ela entregou as vontades porque ele não precisa. ele não passa pela sua janela, não telefona nem mora na mesma cidade. ele não pediu sua carteira de identidade, nem deixou coisa nenhuma na casa dela porque não precisa. quando parece que vai chover, kori lembra o quanto é bom gostar livre.
quando chove, m.c. não vai pra casa muito cedo, porque a sua janela do quarto mostra uma estrada seca que vira barro por qualquer aguinha e ele se sente tentado a dar um abraço mais comprido em alguém, ninguém em especial, qualquer uma delas pra garantir que não há riscos dele se molhar demais. m.c. gosta da água, só não de molhar o cabelo, porque se a água chegar ali significa que ele já se afogou atirado na poça aos pés de alguém. qualquer uma delas.
quando tem sol, o desenhista queria mais do que tudo que chovesse. pra poder ficar em casa desenhando e esperando que dali saia um abraço. as vezes é bem mais fácil do que ficar esperando o momento certo que todos nós sabemos que não virá, porque entre nós, momento certo é um empréstimo que acabamos gastando sempre em lixo. nunca em delícia. mas todo o nosso lixo é bem temperado, ainda que no dia seguinte nossas narinas e o batimento cardíaco malvado nos arrependam.
quando é de noite tem sempre alguma menina que não pertence ao grupo tentando se ajuntar. nós, as de casa, as da turma, tentamos não fazer cara feia, não parecermos desconfiadas rancorosas mal amadas ou egoístas. mas deveríamos. nós sabemos que elas vão fazer as besteiras que só nós podemos fazer sem risco de machucar algum dos nossos meninos. nós sabemos que elas não vão abraça-los sem tropeçar, só nós temos o mapa do escuro azul que tem bem lá atrás dos olhos de todos eles.
quando é de manhã, as vezes ninguém pode ainda ir dormir porque ficou com tantos abraços pendurados na garganta que é melhor fingir insônia e continuar, de olhos arregalados e pulo pronto, esperando o próximo passar, não perder um pescoço, não perder um jeito de ter dois segundos de carne. quando é de manhã, a gente se abandona na insistência pra concordar que acabou. acho que nós preferimos quase não dirigir, porque em caso de racha, todos estaríamos nos mesmos dois carros e ninguém desistiria a tempo, só pra abraçarmos de uma vez o acidente juntos.
quando é de tarde, eu nunca tenho ninguém pra abraçar. por isso preferia trocar meu relógio biológico e dormir, antes que seja tarde e eu queira demais e acabe não parando nas unhas, e acabe engolindo os dedinhos alheios.

no meu colchão, de dois em dois cabem muitas pessoas, sete segredos, cinco imprestáveis, alguns convites devolvidos, tres livros fechados e na sala, desde que toque um rock pegado, qualquer um pode fazer carnaval com a minha maquiagem, que de qualquer maneira, vai acabar meio gótica demais.

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