Tuesday, June 19, 2007

balalarca

O corpo da mãe ainda não estava frio, na verdade, jamais esfriaria, por mais morto e podre e consumido. Até quando invisível, naquela terra, tudo fazia calor. O tempo inteiro. Até as lágrimas de velório ferviam, misturadas as de suor. Perdia-se todo o sal ao sofrer, perdia-se todo o sal ao sofrer.
Por isso ela tinha morrido há apenas duas horas e seria enterrada em no máximo mais uma.
Mas será que a pressa do sepultamento apressaria também o luto? Giana sentia que não. Gericó sentia que precisava ir pro rio. Germana pensava que a maionese dos sanduiches deixaria o hospital superlotado até o final da tarde. Guida chorava por obrigação. Guido, seu irmão gêmeo com síndrome de down, dispensava os sanduíches, dispensava a tristeza, dispensava a mãe e os abraços. De repente tudo fedia.
Numa terra tão quente, a morte dispensa o preto. Mas as rodelas de suor amarelo envelhecido mofam todas as existencias. O branco que cheira mal é muito mais mórbido que o preto.
Gericó pensa que mesmo nesse sol a água que brota perto da caverna deve estar gelada. Que o choque térmico líquido é a única coisa que lhe mantém vivo enquanto não arranja uma namorada. Giana percebe que nenhum dos irmãos se importa muito. É como se nunca tivessem dado bola pra mãe. Depois que sairam de dentro dela, acho até esqueceram seu nome. Guida pensa que nunca soube o que fazia a mãe feliz, além de eles não sujarem o chão e conservarem seus livros inteiros até o final do ano escolar. Guida teme que agora ela terá que cuidar do irmão como a mãe cuidava. Ela não quer. Ela quer ir embora agora. Guido acha que talvez os irmãos esperem que ele vá embora agora. Nenhum deles tem muita paciência com ele. Precisa trabalhar pra comprar uma mala, ou pelo menos uma mochila. Sapatos novos fechados nas pontas para parecer alguém decente. Será que os dedos dos seus pés vão se acostumar? Ele odeio a ponta dos pés sufocada. Imagina que seus dedinhos parecerão sardinhas. Pensa que eles poderiam sair nadando. Promete nunca mais pisar nágua. Gericó pensa que precisa de uma namorada miúda, porque ele não é lá grande coisa. Do lado de uma grandona parecerá ainda mais mixuruca. Germana pensa que talvez fosse de bom tom comer os sanduiches e ser a primeira a passar mal. Isso a desculparia frente a comunidade.
Alguém sussurra "que idéia cretina essa de acender as velas", e de fato, elas apenas aceleram o processo de cozimento das flores, esse cozimento que causa uma espécie de maturação forçada que acaba em cheiro de podre. Um cheiro de podridão em vida, cheiro da decomposição das pétalas, misturado hormônios, humores, secreções, roupas de baixo não trocadas, paus e bucetas recém usados (um de cada inda agorinha a pouco, no banheiro interditado da câmara mortuária). Aquele tom que só há em velórios quentes demais.
Germana lamenta que o pai não tenha vindo. Guido agradece que o pai não veio. Guida pensa que o pai bem que poderia ter morrido também. Gericó lembra que o pai lhe disse que já estava parecendo meio gay não ter uma garota nessa idade. Giana chora compulsivamente ao lembrar que só sobrou o pai.
Foi um cancer na medida. Não uma morte rápida o suficiente pra chocar, nem demorada demais a ponto de deixar muito cansaço ou dívidas pros que ficam.
Giana pensa que a mãe era tão boa que morreu da maneira mais eficiente possível.
Germana se sente abandonada numa situação que não lhe pertence. E que no fim das contas a mãe era uma cadela preguiçosa por ter morrido assim.
Guido só queria que a mãe tivesse ido com ele a lanchonete do shopping antes de morrer. Ela teria adorado as batatas de lá e obrigado a irmã mais velha a faze-las daquele jeito, e não cozidas no azeite como Germana fazia.
Gericó imagina se a mulher certa pra ele não seria quieta e quase sumida como a mãe. Uma que mal respirasse. Não se fazem mais como essas.
Guida jura que jamais se casará nem procriará. Prefere morrer sozinha a ficar feia e seca assim como a mãe.
O agente funerário aguarda ansioso o melhor momento de apresentar a conta.
O padre lembra como era bom de comer a morta às quartas feiras, quando ela ia ao supermercado e a confissão.
O primo Jorge olha pra Guida e Guido e sabe que eles são filhos seus, mas isso agora não vem ao caso.

5 Comments:

At 4:08 PM, Blogger Marcos Rohrig said...

é, nem vem ao caso agora.
quando casar, passa.

 
At 5:30 AM, Blogger quasechuva said...

ahahahahahahahahaha, por aí, por aí
pena que o charles bronson já morreu

 
At 12:15 PM, Blogger Samuel Basso said...

dramas da familia germanica... gostei

 
At 1:22 PM, Blogger Edgar Aristimunho said...

Caramba !!!
Estou voltando. Ainda bem que escolhi este para começar, não é mesmo? Tudo a ver com tudo.
Eu só acrescentaria um personagem: o bêbado dormindo que errou de velório.
Ficou bom. Ficou alemão o negócio.
Bjs,

 
At 10:45 AM, Blogger Scheer said...

jisus

 

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