Thursday, October 16, 2008

Voltando

Sendo de um tipo especial,
ela não se depila, mas hidrata os pentelhos, gastando nisso um minuto à mais de água corrente e quente. Bem quente. Banho sempre bem quente mesmo no verão, banho bem quente pra espantar o frio
que dá em si, inverno por dentro o tempo inteiro. Ao sair do banho, o homem que lhe faz as vezes de marido diz
"voce está estranha hoje". Como se dissesse voce está bonita. Ela dá de ombros, importa tão pouco e na verdade o que ela gostaria mesmo era de se importar.
Ela diz - você acha que demoro demais no banho?
Ele finje que presta atenção - depende, quanto tempo eles dizem que é certo ficar no banho?
Ela pensa - eu não sei....nem sei quem são eles...
Ele segue se preparando pra abandonar a conversa - ora, voce sabe, eles, os que sabem o que devemos fazer.
Ela deixa que o espírito saia do seu corpo e os olhos se transformem numa mancha na paisagem. Não sabe quem são eles. Quem são eles? Quem pode dizer se deve hidratar os pentelhos? Se deve raspar. Ou deixar que cresçam bem livres, mais muito mais do que o seu corpo e formem um casulo amoroso e cheio de silencio e livre de perguntas e.....
Ele a está abraçando forte agora. Como em quatro anos nunca fez e ele chora, talvez porque dói abraçar tão forte ou dói todo o tempo sem abraçar daquele jeito.

Quem são eles, os que sabem o que pode salvar o mundo, o que pode recuperar sua alma? Será que ela devia amar o marido, será que ela devia se adaptar ao fim da idéia de amor, será que era melhor voltar pra barriga antes de nascer,
e esperar até um tempo em que ela se adaptasse melhor?
Porque eles não tem lhe mandado cartas de instruções. E as mensagens aleatórias dos meios de comunicação são confusas.
Ninguém concorda sobre quantos ovos comer por semana.
Ou sobre o mijo, lavar os pés ou bebê-lo?

O marido a abraça mais forte do que jamais abraçou qualquer alguém e chora - o choro é quase uma coisa suja porque rola sem nenhum pudor e deixa o rosto dele transtornado, vermelho.
Fora do próprio corpo, ela o vê assim, arrebatado, apavorado e comovido, e de certa maneira a amando mais e de verdade pela maneira como finalmente pode acolhe-la, forte com seus braços magros, desprovidos de masculinidade musculosa e que ainda assim, frente a insanidade momentanea do tilt da mulher se transformam numa casa, um pai, e ela, assim amparada, balançando como uma autista pra frente e pra trás perguntando
eles quem eles quem eles quem eles quem eles quem eles quem eles quem eles quem eles quem
(ela se via pra frente e pra trás, repetindo sem parar, e o homem a abraçando e chorando pra ser forte criando um campo de energia tão real que todas as muidezas da sala - plantas, bibelos, retratos, copos, garrafas, caixinhas, potes - tremiam, como se vivos também sentissem algum tipo de paixão e medo)
Depois de tanto visto e tudo compreendido, ela voltou à própria carne para seguir com o seu dia:
-Eles quem? Eles vem? Eles vem nos buscar?
O que ela gostaria mesmo, é de se importar.
Então entendeu que tudo é um moto contínuo, o primeiro movimento é sempre falso e a gente honestamente segue o rumo apartir de lá. Desse ponto inventado, forçado a acontecer.
Daí, ela de volta, abraçou o marido.

1 Comments:

At 5:46 AM, Blogger t. said...

você sabe entrar dentro de almas como ninguém.

 

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