Saturday, May 05, 2007

exercício

-é a primeira vez que eu faço isso
-preferia que você não tivesse começado assim gatinha...que merda, quem disse que eu me interessava?
-qual o problema chapa?
-o problema? O problema é que antes eu só desconfiava que você é amadora e não sabe o que fazer. Agora eu tenho certeza. Não só que você é uma amadora, mas também que é incapaz de arcar com as conseqüências disso.
-do que você está falando?
-você está me avisando que é a sua primeira vez pra que eu nem me frustre se você falhar. Pra que eu já espere que você não seja perfeita. Ainda por cima, fazendo isso, de certa maneira você acha que está me manipulando...que pode me manipular...é irritante. Faz até com que você fique feia sabia garota? Aliás, desde que você chegou aqui eu ainda não vi nada atraente em você...

- aliás, você não tem tetas?

-o que eu tenho, é uma joanete doendo. Esse osso me incomoda desde hoje de manhã.
È o seguinte: eu não tenho tetas, porque eu cortei as minhas, elas me incomodavam. Eram enormes, aposto que você adoraria. Mas me davam dores nas costas. Quanto ao meu “amadorismo”... eu estava tentando prometer que nada sairá errado. Tenho muita vontade de acertar de cara. E estou com o meu alvo bem aqui na minha frente. Você prefere sentir tudo ou sentir nada?

Depois de atirar bem no meio da cabeça do velho, ela lavou as mãos, ligou para que viessem limpar tudo, trocou a camiseta. Apesar de ainda ter cara de menina, a barriga já estava meio flácida e tinha duas cesarianas cavadas na pele. São duas meninas, que tão por aí, no mundo. Uma com dez, a outra com cinco. Quer saber nada delas não. Espera que tenham herdado nenhum dos seus traços, mas que pelamor, saibam se defender exatinho como ela. Ela que já atravessou pelo menos 13 infernos até ali na vida, mas chegou do outro lado. E carrega todas as marcas que já mereceu. E tem sempre mais desgraça a espera. Ela fuma um e segue.

Começou a matar com 15. Agora tem 27. Gosta de passar conversa de que é a primeira vez que está matando. Pra quase todos, dá um gostinho especial. Homens, você sabe, adoram as virgindades.

Antes de começar a matar, ela nem sabia muito sobre a morte.

Antes de começar a matar, tinha sido só uma menina meio autista, que vivia com uma parte da família numa fazenda no meio do nada. Ao seu redor não havia violência, nem muito amor, nem historias dramáticas. Nada que chamasse atenção. Pelo menos pra ela, nada além estar a campos de distancia de todo o resto importava.

Ela tem quase certeza de que antes de começar a matar, ela quase não pensava.
Talvez passasse o tempo inteiro meditando. Talvez fosse predestinada. Ou só uma grande imbecil. Em todos os casos, parece que nunca há muita diferença entre a sorte do predestinado e do imbecil.

Ela nunca gostou muito de bonecas. Ela nunca prestou muita atenção em humanos. Raramente a ponto de gostar.
Será que teria gostado das próprias filhas? Será que elas teriam gostado dela?

Quando ela era pequena, jamais imaginou que algum dia em sua vida teria que fazer alguma coisa além de ficar atirada no meio do nada, olhando o nada, sendo o nada, sentindo o nada entrar pelas narinas e sair pelo umbigo, um nada azul e outro amarelo como asas. Um dia ela estava deitada num pasto bem longe, de olhos fechados, assim no nada. Aconteceu um estampido. O som fez um estouro de cor no meio da sua cabeça. Ela viu com os olhos de dentro o som do estampido.
Era como se ela tivesse estourado um festim na testa, na cachola.
Quando chegou em casa a tia estava limpando a arma e cuspindo no corpo do marido arrebentado no chão. Sua mãe tinha partido. Seu pai não queria mais olha pra cara dela, nem de ninguém. Foi se enforcar no quintal.
Ninguém mais queria nada que lembrasse o que tinha acontecido,
Ali
Na casa.
Ela não incomodava, mas tinha a cara.
A tia ensinou a atirar e lhe deu de presente a espingarda.

Ela nunca tinha pensado muito na vida até ali. Por isso, as coisas não eram complicadas. Sua vida era simples.
A mandaram pro mundo, com uma ultima lição e uma ferramenta.
Ela nunca temeu a morte. Nem a festejou. Ela só cumpriu ordens, como qualquer outro artesão.
Dá preferência pra encomendas de traição.
Esses casos em que um precisa que o outro morra para que o amor pare de doer.
Todo mundo que morre numa situação dessas, já sabe que vai.

Nos dias santos, não trabalha. Faxina a casa e se banha com álcool.

Alguns como esse último contrato dizem coisas ruins pra ela.
Não faz mal. Não se importa de ser feia. Se for verdade.
Hoje em dia ela só namoraria alguém que tivesse um terraço, porque precisa voltar a estar perto do céu.

5 Comments:

At 6:52 PM, Blogger Carina Sehn said...

ah que arraso!

beijos e tentação em interpretar, performar, fazer qq coisa com esses teus discursos atravessados e empilhados todos reluzindo...

meus beijos.

 
At 10:57 AM, Anonymous Anonymous said...

\o/
fiquei imaginando ela faxinar a casa no dia de folga, limpando e pendurando a arma no cabide dos casacos. até os assassinos precisam de um lar-doce-lar.
:*

 
At 11:26 AM, Blogger quasechuva said...

oooooo
guria
é pra isso que eu escrevo
pra dar várias casas alheias pras pessoas
eeeeeeeeee

 
At 12:27 PM, Anonymous Anonymous said...

oi alemoa.

lindo o texto.
ontem eu tava pensando em coisas do tipo, pedi pro bruno uma sniper de presente de aniversário.
saudades querida

Sir Appelstrudel

 
At 9:15 AM, Blogger Edgar Aristimunho said...

Era essa a força que eu queria ver em ti.
Viu como pode, como consegue, como encanta?
Arraso mesmo - concordo.
Bj,

 

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