Thursday, April 27, 2006

nuclear para crianças

chernobyl não fez cogumelo, nem sol. só se espalhou, e derreteu a vida de um monte de coisas. e assim como são as coisas, são as pessoas.
foi lá longe daqui, aqui ninguém pegou isso não, mas tem outras coisas que derretem partes do corpo e do futuro das pessoas. só que essas coisas não tem um nome pronto e por isso ninguém fala delas.
ninguém fala delas porque não sabem que cor elas tem.
ninguém fala delas pq são como assuntos a serem tratados em alemão arcaíco.
ninguém fala pq elas, como feridas de pele frágil com leite de figo por cima
vão estourar no sol.
estourar no sol, mas de um jeito triste e frio, não como uma fruta que explode madura antes de cair. é como uma fruta verde que depois da pedrada só mostra uns bichinhos desnutridos.
tem outras coisas que estancam as crianças.
coisas que acontecem com as barrigas de suas mães, coisas que acontecem na pele dos pais.
coisas que as permanecem grudadas, no mesmo ponto da infância.
coisas que atrofiam os braços de subir em árvores,
o estômago de gostar de comer de tudo, até poeira,
coisas que paralizam os pulmões
que nunca mais vão experimentar o ar direito.
existem coisas que não minimizam danos para nos podar até caixinha.

mas crianças, não se assustem.

sempre restarão as minhocas. as minhocas são os únicos animais da terra que não possuem, não carregam nem transmitem doenças. e eles transformam lixo em adubo, e fazem furinhos na tera pra ela respirar,

plantem dez minhocas no meu coração

vai nascer uma árvore de peixe-estrela.

as minhocas vieram primeiro, e elas sabiam voar, mas não brigavam.

agora eu sonho com minhocas de chumbo, plutônio e mercúrio. que me guardem e lavem amém.

Thursday, April 20, 2006

jorge e o dragão anônimo

da pra ver de longe, todos eles debaixo do cinamomo. Era uma arvore estupidamente grande, e ainda assim parecia mágica que coubessem todos eles, sempre tantos e todos, debaixo de uma mesma árvore. e quase todos se mexiam o tempo inteiro de alguma maneira. dançavam ou brincavam ou subiam uns por cima dos outros ou se abraçavam ou se davam uns tapinhas, alguns fumavam se movendo de um lado pro outro, e eles falavam, o tempo inteiro, mesmo em silencio, eles falavam, nunca muito alto, nunca muito duro, nunca muito rápido, sempre cantado, forte e macio. tinha chovido todo o dia anterior, e chuviscado naquele. Apesar das folhas, eles estavam molhados. Mas debaixo da arvore era quente, então eles se sentiam como crianças molhadas de mangueira num dia de verão. eles não tinham nada além de malas suspeitas e possivelmente vazias, só servindo pra guardar vento, as roupas todas gastas e molhadas, tudo já com a mesma cor que não tem cor nenhuma. só que com um pouco de atenção, dava pra ver bolas coloridas fantasmas, que não existiam, mas dava pra ver. a terra molhada debaixo das arvores tinha virado um gentil, mole e raso tapetinho de barro, onde eles esfregavam os pés descalços e espremiam entre os dedos. eles tinham vindo das suas famílias, de suas casas, de todas as cores e idades, eles tinham vindo todos ao mesmo tempo, ver não sabiam bem o que, mas que esperavam ver com uma luz no coração. estavam ali há uma semana, debaixo do pé de cinamomo e de alguma maneira comiam, e de alguma maneira dormiam, e de alguma maneira bebiam, e dançavam e amavam, e de alguma maneira eram todos felizes por esperar. não mais pelo que viesse. estavam se encontrando naquele lugar de existir.
duas semanas, eles continuavam lá, se comunicavam e bem com quem passasse por perto, mas nunca abandonavam o debaixo da arvore.
duas semanas estavam todos lá, dava pra ver de longe cada vez maior uma certa luz que cercava tudo, vai ver alguma coisa que as células, a vida, os atomos daquela gente secretando, era como uma névoa deles.
eles não sabiam o que esperavam nem como ia chegar, eles lá estavam.
quando já tinha passado mais de mês, e tudo continuava exatamente igual, nem lixo debaixo do cinamomo eles tinham feito, nem abrigo, nada parecia diferente do que ontem nem que seria diferente amanhã,
no dia 37, um menino e um cão quaisquer que não se conheciam antes,
levantaram e sairam andando sem convite ou combinação.
estava feito, era isso que eles sabiam mais forte que o proprio sopro do coração, era isso q eles esperavam.
seguiram então, cada um a sua reta, por todos os lados.
e o cinamomo, pareceu uma estrela de carne expandindo.

Tuesday, April 18, 2006

sobre os amigos e um pouco sobre a saudade

pro meu amigo lálonge, d em breve

o amor de mãe é sempre doente.
o amor do pai é sempre com um muro.
o amor dos casais é sempre as vezes pouco, as vezes demais.
amor de irmão é sempre proibido.

o amor dos amigos é o mais fodido. o mais estranho, o mais importante pra nós que amamos o estranho. é o amor do rock, daqueles q preferem não ter passado nem futuro. meus pés e minha mãos estão frios.
o amor dos amigos é capaz de tudo de melhor e pior que se pode imaginar. e de muitas formas de proteção e camuflagem, o amor de amigo nunca sabe muito bem o que fazer de si mesmo, inventa subterfúgios, esconderijos e jogos, as vezes ele excede limites mas ele na verdade nunca sabe quais são mesmo os seus limites. o que um amigo não pode ser de melhor e pior de todo o resto do universo?
nas horas absurdamente verdadeiras, em que você está em dois pontos da cabeça ao mesmo tempo, quando aconteceu alguma merda muito grande, quando é criminoso, quem mais estaria lá a não ser um amigo?
um amigo sempre extrapola tudo. ele fode tudo de todos os jeitos possíveis e mesmo que a gente finja que não, isso quebra a gente no meio, assim como o dia da volta cola tudo bonitinho, cicatrizes só para constar.
um amigo sempre vai fazer imperfeito, mas com todos os momentos de perfeição que isso puder conter na milésima potência da verdade.
aí do teu lado, aqui, todos os que passaram e os que virão, nenhum amigo nunca sabe direito o que fazer de si mesmo na vida do outro. Vai aprendendo, e dá uns tropeços.
eu afirmo e confesso que as vezes é melhor nem lembrar que existe saudade de ti.
mas pra esclarecer a amizade, são todos aqueles que você quer sempre voltar a abraçar apesar de qualquer coisa e tudo.

vou publicar isso beib, é uma carta bonita pra você
eu sei que você está aguentando firme aí,
muito mais do que todos imaginavam, e seguindo feliz,
orgulho de amigo, o meu poderia encher o cristal lake com uma festa.
nos vemos em breve.

Saturday, April 15, 2006

o princípio quebrado

excepcionalmente hoje, estaremos esclarecendo tudo sobre o céu e o inferno

no mesmo dia a primeira faixa não funciona,
o passarinho não nasceu
a água pro café ferveu, não somos todos iguais.
no mesmo dia, a segunda música me acorda melhor, o passarinho não teria as patinhas se tivesse vindo, a primeira água pro café deveria mesmo ter sido dispensada.
era água suja, que ontem tinham limpado a caixa dágua.
sara lee as vezes até podia tomar veneno, mas não era bom de manhã junto com o café, por causa da gastrite.
e não era hora do estomago fazer mal.
era hora de lavar a cara e encontrar a melhor possível, consultar com os dedos no ar a posição das horas sobre o dia que viria. O tempo lhe pareceu morno, pouco espirituoso. Isso não era bom nem mau, era justo. O tempo não interferiria, ele só estaria lá.
no mesmo dia, quatro roupas coloridas, seis guias de força e amor penduradas no peito, brincos protetores de sonhos nas orelhas, pediu a benção a si mesma, esmalte carcomido nas unhas como sua lembrança de ser mortal e perene.
sara lee foi contar ao anjo que ela não sabia usar o que tinha roubado.
ela sempre soube que ele sabia que ela tinha roubado e o que era,
todos sentem quando algo é mexido no próprio coração, principalmente um anjo. Ainda mais se ele tiver enxerga pra dentro de si.
ela e o anjo abriram os olhos de repente ao mesmo tempo no meio do mesmo lugar que eles nunca tinham invocado antes.
uma das melhores coisas sobre conversas difíceis, é que elas sempre te levam pra acontecer no lugar mais desconhecido possível, parece inseguro, mas não é.
é o melhor a fazer, pra que se force a verdade a porejar.
é melhor pra que não haja vantagens de ambiente.
o anjo estendeu a mão, sara quis ir devolvendo e ele disse
-eu só quero um cigarro,
as vezes os anjos podem e devem fumar, por mais proibido que continue parecendo.
sara passou o cigarro aceso, porque anjos não podem usar isqueiro.
sara começou a roer das pontas das unhas o esmalte estragado.
unhas mais curtas renovam o esmalte. roer as vezes deixa elas serem novas de novo.
os cabelos de sara cresceram de volta aos seus dezesseis anos, depois caíram todinhos, depois voltaram ao normal.
o anjo olhava tudo, para que fosse tranqüilo e azul.
Depois que sara lee perdeu todos os pesos, ela fez uma viagem, esmagada contra a parede por duzentos elefantes negros,
aí se limpou no chuveiro de luz verde,
vestiu seu tênis violeta,
os cabelinhos passaram a crescer como pasto branco,
e na mesa da casa mais lar do que a sua,
sentou e durante o café sentiu sua nova tatuagem
entre as plantas e o chico que cantava, e um bom amigo tranqüilo segurando o vento a sua volta,
sua nova tatuagem era já não ser furto, ter libertado o agrado.
o anjo, em outro lugar, terminou seu cigarro, desvestiu as asas, e foi plantar alguma coisa no quintal.

Wednesday, April 12, 2006

SAC - o -PHULL -A

sorry aurélio, eu jamais desmereceria qq evangelho
o caso é que tomei café com judas ontem
e ele me disse que realmente não tah ajudando muito
tirar o nome do SPC sagrado, ainda
ninguém convidou ele pro almoço de páscoa.
TER OU NÃO PRA ONDE IR, ISSO É O QUE BASTA

Monday, April 10, 2006

tanto faz, trinta e 3


emanu-elle-666


não adianta desculparem judas, não adianta que tenha sido mandado, barato ou caro.
não importa que esteja do avesso, não interessa tirar
quem trai com um beijo
da cruz.
o que foi mesmo será que jesus comprou?
quem foi mesmo o emissário? o que mais aconteceu entre as oliveiras?
não importa, emanuelle compra o primeiro par de botas. que sejam bem longas e de sangue por dentro, vinho por fora.
que machuquem seus pés mais do que a coroa de espinhos fez na cabeça. seus pés são feios e não se importam. emanuelle gosta de qualquer café pra poder nunca mais chorar.
porque a moça gorda atravessa a rua?
pra chegar na doceria.
porque emanuelle entrou na loja de calçados? porque os doces não adiantam mais.
nenhum deles, só o salto mais alto.
só o que não podia acontecer, só o que faltava no guarda-roupa e repetir o que todo mundo já sabe, que não há o que esperar dela.
ela sempre muda a marca de cigarro quando acham que ela não vai mais voltar atrás, guardado o endereço ela não estará lá.
tanto faz, ela não atende pelo nome que nasceu, só pelo de antes.
o nome que ela nasceu é uma mentira pra encobrir a primeira fuga, não veio menino, botaram qualquer um.
ela andou 27 anos até descobrir.
agora os pés são feios talvez não caibam mais nesse sapato.
mas se precisar, ela andará mais 27 anos, até caber.
não adianta desculparem judas a essa altura do campeonato. fama, ódios e amores, depois de alcançados, só se transformam.
emanuelle, antes de sair de casa, fumou dois cigarros, fez só um pouquinho do que não devia, e foi pro sol, se assumir, secar o mofo, começar tudo de novo, e continuar.
com suas botas de menina em pés felizes e calejados, só pra constar.
essa é uma história que aconteceu, e a carne de ninguém se arrependerá de acreditar.
mesmo que dê ferida debaixo da pele.

Friday, April 07, 2006

meninas que nadam as vezes acordam no céu

para tatiana, e sua tarde única na vida pra mudar a minha também
there is a light that NEVER goes out


ninguém sabe porque ela entrou, nem em açude limpo ela ia, e ali, ali era sujo e podre, todos os cacos da cidade, toda a merda, todos os sonhos ruins pelos canos, tudo o que não presta boiando ao por do sol - a menina - ninguém sabe porque ela entrou.
estava feliz e nadava, a menina de roupa inteira, o cabelo iria feder depois, mas ela ria.
fazia bem na água morta, água morta também é água, o moletom cor de rosa na calçada, grudada na barriga a camiseta preta,
guerrilheiras da doçura
eu sei como é ser negra e rosada.
fazia frio não, fazia medo não, sol se indo, eu sei como ali é bonito, um dia ali sentada eu percebi que o amor de verdade é como água e escrevi uma carta que eu nunca mandei mas aprendi.
amor de verdade é como água porque ninguém mede, não cabe, cuida e mata, toma e dança ao redor do corpo, envolve mas não dá pra pegar,
tatiana, meu nome não é esse
mas quando eu apareço pequena nas fotos eu sou tati como me chamam pra ser criança.
ela era mais nova que eu, mas mais velha.
ninguém sabe porque ela entrou, acenou, dançou lá dentro, chocou a tarde medrosa ao redor (e todos os seus loucos e policiais e cachorros e bebados e punks e crianças e drogados e as putas e os macumbeiros, todos que comungam suas estátuas absurdas, ninguém acreditou)
ninguém sabe porque ela entrou, elogiou a água, nadou, comprimentou os do bar.
eu sei, e não vou ter medo de contar.
tatiana entrou na água porque estava linda por dentro. com o coração tão cheio que podia salvar o guaíba inteiro da merda que jogamos lá.
mas ninguém acreditou nela. só quando ela desapareceu.
porque mais fácil entender o que não dá certo, do que sonhar.
como acontece com todo o fantástico, o mundo engoliu a menina porque ninguém acreditou no que ela podia fazer.
mas não faz mal. meninas que nadam as vezes acordam no céu.

Wednesday, April 05, 2006

saranda, convite e destino

num asilo uma mulher que viveu até os 130 anos, gostava de chamar sua colega de quarto, mais jovem e surda, de puta. Essa mulher, a que viveu, não a surda, fumava até morrer, era a única que não precisava de remédio, não gostava muito de banho, mas adorava se cobrir de talco e um vestido florido e mesmo desdentada limpava uma coxa de galinha melhor que um cachorrinho.

A gatinha branca ronrona sozinha, sara abre mais a janela, parece que é uma chuva inventada, não artificial, mas não existível. como as coisas da sua vida, não artificiais, nem mentidas, mas nas quais é quase um crime da sanidade acreditar. sara levanta da cama, se espreguiça no batente da porta do quarto, volta pra janela, acende um cigarro, e molha a mão.
é água mesmo. como é bom acordar e ainda estar em Lálonge. Trazer a casa pra dentro dos dias não perto de lugar nenhum.
coça a cabeça, mas é por dentro que alguma coisa anda, as cócegas são passos.
Não tenho certeza sobre se eu sei do que é feita a noite, mas não faço por desmerecer.
sara abre os olhos, fecha os olhos, abre e fecha de novo e mais uma vez, só pra ter certeza.
sim, de repente, por um instante, dentro e fora de si são o mesmo lugar.

Tuesday, April 04, 2006

33...historinhas...tanto

..."o mito revela a sacralidade absoluta, porque conta a atividade criadora dos Deuses, desvenda a sacralidade da obra deles." - mircea eliade

quando passam as marcas, eu volto a usar decote, mas odeio o tom erótico do ato. não tenho peito pra isso. é só uma caixa que guarda as bombinhas de ar e o músculo aquele. Coração, ele-aquele. ahahah, tente mesmo viver sem o seu. eu já tentei. para tudo, vc morre. eu tive um ataque cardíaco aos 33.
para tudo, voce morre.
dizem, os outros que já passaram por isso e voltaram, que dói. o meu não, era só como se expremessem uma laranja inteira, eu senti meu suco gotejando por dentro. não doeu, só foi dando falta de mim mesma, eu sabia que estava indo. não, eu não vi nada lá, não tinha ninguém me acenando, ou tinha e eu não vi.
estava ocupada demais sentindo as minhas gotas, caindo, uma por uma, indo parar no escuro. Devagarzinho, eu me economizava por que era bom.
se gastar com vagar.
nos três ultimos pingos de vida, eu já tinha dominado a técnica de me segurar.
aí eu me assustei por ser tão pequena e tão grande. e como quando vc sonha que está voando, se assustar é a senha pra voltar. foi o assombramento do tamanho e os choques que me troxeram de volta, ao mesmo tempo, eu caí de resto e me arrancaram de lá a cinco centímetros do chão, como voar pra baixo e cair pra cima, fugir do silêncio agarrando um zunido.
eu voltei.
dizem, os outros que já passaram por isso e voltaram, que tudo muda. mas de um jeito profundo, existencial.
eu não. só ganhei umas manchas que aparecem no peito quando eu sinto demais.
então quase sempre eu não uso decote. e também odeio o que há de exibicionismo pra isso.
mas quando estou limpa de novo, eu preciso botar minha árvore e sua única gota restante mais perto do sol,
eu tenho ainda só um pouquinho no coração, mas quando isso toma ar, vira quatro estados da água.

Saturday, April 01, 2006

historinhas, SE aconteceu

Formol – fuligem - jesus Vou dormir as três da manhã, alguma coisa dói por debaixo do músculo do meu ombro esquerdo, é a marca da pele, é o que me sobrou junto com três pacotes de feijão, um de absorventes, balas e os remédios que não curam e os doces que não inocentam. Nina pegou no sono há cinco minutos, dois depois de ter sido liberada. Ela já respira fundo, ela já está sonhando, ela tem pressa em dormir de verdade logo, urgência de que o descanso seja real. Ela só tem mais duas horas pra dormir antes do outro emprego. O vizinho taxidermista brigou com a esposa por volta da uma e meia, quebraram coisas por meia hora, gemeram quinze minutos, se esmurraram contra portas, depois silenciaram, como sempre as terças-feiras. Sobrou o cheiro de formol se espalhando por tudo. Nós duas fomos aprendendo a gostar com o tempo, é uma pena que nina já esteja dormindo, mas ela
deve estar sonhando que é um cadáver também.
Nina é a travesti mais bonita que já fizeram, mas eu a amo quando vejo as fotos dela de menino. Eu queria que Nina pudesse ser um menino.
Nepomucéia, hoje em dia eu entendo. Não há nenhuma heroína trágica com esse nome, mas ele é perfeito pra isso e eu fui A escolhida. Nepomucéia, a que tem todos menos os que ama. A que ama sempre os que não pode ter. A que só não pode ter o que ama. Nepomucéia da terra vermelha, nascida pra sangrar.
A que aprende a amar estragado.
Mas Nina dorme aqui todas as noites nos últimos três meses, só eu sei direito como ela ressona. E o Pêlo Duro nos traz alguma fruta todos os dias às três da tarde. Pode ser estranho tudo isso, mas o que de melhor poderíamos esperar?
Como sempre, as terças-feiras, quase quatro da manhã, trabalhamos juntas, e devagarzinho, vamos pro vidro, formol e cansaço, formol, cansaço, drogas e o corpo frio quente de Nina ali do lado, assim eu sei pensar em morrer.
A que aprende a amar estragado.
Mas se os vizinhos não fizessem isso também, como é que eu poderia estar agora tão feliz?